A Incontroversa Necessidade de Regulamentação da “Norma Antielisão”

Parágrafo Único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional

Por Pedro Navarro, Danilo Botelho e Karoline Magalhães

Pedro Navarro, Danilo Botelho e Karoline Magalhães comentam o voto proferido pela Ministra Carmén Lúcia no julgamento da ADI 2.446 pelo Plenário do STF.

Em 2001 foi publicada a Lei Complementar nº 104/01 que alterou o Código Tributário Nacional para incluir o parágrafo único no artigo 116. Trata-se da difundida “norma antielisiva” que dispõe que: “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”

O principal ponto discutido desde a introdução da norma antielisiva no ordenamento jurídico brasileiro é o direito de o contribuinte perseguir legitimamente a economia tributária lícita. Isto porque, após a inclusão do parágrafo único no artigo 116 do CTN, o Fisco cunhou a tese de que atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes devem sempre ter “propósito negocial”, e, consequentemente, operações praticadas com objetivo de mera economia de tributária devem ser desconsideradas.

Na sequência dos debates suscitados pela nova norma, a Confederação Nacional do Comércio – CNC ajuizou a ADI nº 2.446. Desde então, diversos contribuintes sofreram autuações por parte da Receita Federal do Brasil com base no referido dispositivo.

Passados mais de 20 anos desde o seu ajuizamento, a ADI nº 2.446 foi pautada para julgamento no STF por vídeo conferência, iniciado no fim do mês de junho.

Na oportunidade, a Ministra Relatora Cármen Lúcia proferiu voto (enxuto, com apenas oito páginas) no qual, embora declare a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN, favorece os contribuintes ao reconhecer que o mesmo carece de auto-aplicabilidade, necessitando ser regulamentado por lei ordinária. Ocorre que os fundamentos da decisão não estão suficientemente claros e podem gerar disputas.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, chamamos atenção para dois trechos do voto da Ilustre Ministra do Supremo Tribunal Federal:

i) A Relatora inicia o voto remetendo o leitor para a exposição de motivos da LC 104/2001, oportunidade em que cita expressamente o seguinte trecho: “a inclusão do parágrafo único ao artigo 116 fez-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma que permita à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de elisão, constituindo-se, dessa forma, em instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito“. E arremata: “Em razão dessa exposição de motivos, a norma em questão veio a ser apelidada, por muitos doutrinadores, de ‘norma geral antielisão’”.

ii) Já no penúltimo parágrafo de seu voto expõe que: “A despeito dos alegados motivos que resultaram na inclusão do parágrafo único ao art. 116 do CTN, a denominação “norma antielisão” é de ser tida como inapropriada, cuidando o dispositivo de questão de norma de combate à evasão fiscal.”

Ora, declarar que a Lei Complementar nº 104/2001 tem por finalidade precípua (ou única) evitar a evasão fiscal pode acabar suscitando a interpretação de que o Fisco estaria impedido de autuar contribuintes que tenham praticado atos fraudulentos ou simulados enquanto o parágrafo único do artigo 116 do CTN não for regulamentado.

Da mesma forma, implica também afirmar que o dispositivo em questão teria apenas repetido o que já consta dos artigos 149, inciso VII, 150, §4º, 154, parágrafo único, 155, inciso I e 180, inciso I (dolo, fraude, simulação), o que parece não fazer sentido.

Por outro lado, a interpretação favorável à tese dos contribuintes reside na afirmação da Ilustre Ministra Relatora sobre o direito à economia fiscal, ao reconhecer o direito de evitar, diminuir ou postergar o pagamento de tributos antes da ocorrência do fato gerador, e, em contrapartida, a impossibilidade do Fisco pretender aplicar a tributação mais gravosa mediante o uso de analogia ou interpretação econômica.

Contudo, é preciso registrar que o voto não explicita quais seriam os limites para que a economia fiscal seja reputada legítima. O voto foi acompanhado pelos Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. O julgamento foi suspenso após o pedido de vista do Ministro Ricardo Lewandowski e ainda não possui data para ser retomado.

Para os sócios Pedro Navarro, Danilo Botelho e Karoline Magalhães: “Parece-nos que a Ministra procurou evitar os desafios de pretender delimitar com clareza e objetividade os contornos do conceito de economia fiscal legítima no plano interpretativo abstrato, tendo optado por transferir a fixação dos limites deste conceito para a análise caso-a-caso. Este é mais um exemplo das dificuldades impostas ao órgão constitucional, que precisa lidar com conceitos abertos e excessivamente indeterminados, para, ao final, adotar a estratégia da transferência da responsabilidade para o plano concreto.

Danilo Botelho dos Santos Advogado, com formação Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Ex-consultor jurídico da Secretaria de Estado de Integração Governamental, Ex-integrante do corpo jurídico da Petrobras Distribuidora S.A, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ.

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